Campinas, 11 de Maio de 2024
MAIO FURTA COR?
29/05/2023
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 A BANALIZAÇÃO DA DEPRESSÃO NÃO É FURTA-COR

Toni Grangeiro, 17/5/2023

 

Se uma mãe espera por seu bebê. Sonha com ele. Como resistirá imaginá-lo?

Afinal, a idealização é um fenômeno bom ou ruim??

Mas o que é “idealizar”?

“Dê um Google”, procure no dicionário. Você encontrará algo como “ato de projetar em algo ou alguém um modo ideal” ou “imaginar alguém como se fosse perfeito”.

Pois é, isso é fantasiar, certo?

Qual a dose de fantasia que podemos administrar?

São todas questões que remetem a reflexão. Esse é o paradigma: “O pensamento é como um paraquedas, só serve, se na hora da necessidade ele abrir”

Há quem diga que a ideação cause ansiedade. Mas o que é que não causa ansiedade hoje em dia?

Outros dizem que pode causar “depressão”. Quantas coisas nos deprimem?

Entretanto, para afirmar que algo assim pode nos adoecer, é preciso não entrarmos na vala comum da “paranoia”!

Afinal de contas, ter um filho poderia deprimir alguém?

Iaconelli relaciona uma série de circunstâncias que, associadas a gravidez, podem deprimir uma mulher[1]: histórico de transtornos afetivos, mulheres que sofrem de TPM, que passaram por problemas de infertilidade, que sofreram dificuldades na gestação, submetidas à cesariana, primigestas, vítimas de carência social, mães solteiras, mulheres em luto, que perderam um filho anterior, mulheres com histórico de bebês com anomalias, que vivem em desarmonia conjugal, que se casaram em decorrência da gravidez etc. Só faltou acrescentar gravidez indesejada e unha encravada, certo?

Todas essas situações causam dissabores e algum nível de angústia, sem dúvida. Entretanto, por si só, nenhum fenômeno se explica. Não para um ser humano.

A percepção ou constatação de sinais ou sintomas não é o mesmo que chegar a um diagnóstico. O diagnóstico de uma depressão, por exemplo, vai além da enquete sintomatológica que um médico ou psicólogo possam fazer. A hipótese diagnóstica depende de fatores mais amplos: ambiente, condição social e econômica, história, aspectos biológicos e psicológicos, etc, e, claro, a fundamentação técnica do próprio profissional clínico.

Quer dizer, diante de uma queixa (de um ou vários sintomas), o clínico precisa, no mínimo, levantar o que antigamente se chamava de HISTÓRIA PREGRESSA DA MOLÉSTIA ATUAL.

A campanha “Maio Furta-cor”, que visa sensibilizar a população para a causa da saúde mental materna, tem uma nobre intenção. Mas o desafio é sempre o mesmo: informar sem deformar, esclarecer sem criar confusão sobre o tema.

Vejo um problema na orientação para as mulheres, quando se diz a elas:

“Reconheça os sintomas da depressão, pois isso é um passo importante para poder tratar a doença de forma adequada”.

Não, não é assim! Isso simplifica e distorce muito as coisas. Parece até comercial de laboratório pra vender remédio.

O melhor seria:

“Mãe, perceba o que pensa e sente em relação a sua gravidez. Diante de desconfortos, procure conversar com seus pares sobre isso. Com sua família e amigos.

Faça seu Pré Natal.

Avalie se você precisa de um acompanhamento mais personalizado de um profissional (médico ou psicológico, por exemplo)”.

(E, se ela precisar mesmo, torcer para que ela pegue um profissional competente e compromissado pela frente!)

 

Percebeu a diferença? A segunda recomendação tira o peso da responsabilidade de um autodiagnóstico, sobretudo, o enviesado e patologizante. Que parte da premissa da “depressão”.

Diagnosticar – sobretudo, em saúde mental – não é listar sintomas, mas compreender a própria vida.

O sintoma, a queixa, não são centro do trabalho em saúde mental, mas a compreensão da história do indivíduo e, quando doentes, a história de seu adoecer. O sintoma costuma ser só a ponta do ice berg.

Complementando o contraponto ao autodiagnóstico de senso comum (não necessariamente, de bom senso), temos que, a gravidez não é doença, embora a vulnerabilidade da mulher possa ser observada em diversas situações e sob vários ângulos: psicológico, social, econômico, existencial, biológico. Mas o contrário também é verdadeiro: há inúmeras mulheres que se sentem mais POTENTES, diante das mesmas variáveis.

Dentre as variáveis que colocam a mulher em situação de vulnerabilidade, pode-se citar a sobrecarga mental, a solidão, a falta de rede de apoio, situações que podem muito bem provocar uma angústia real para muitas mulheres, o que pode ser entendida como “depressão”, mas, necessariamente, NÃO É!

 Eis a pergunta de um milhão de dólares: como cuidar da saúde mental e emocional de mulheres nestas condições?

Em termos genéricos, não lhe parece óbvia a resposta?

Ora: com amparo, afeto, rede de APOIO!

 Para muitos destes casos, é necessário POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A MULHER, como por exemplo:

·        Pré-natal adequado: é importante que a mulher entenda seu estado gestacional. Por isso, manter o acompanhamento com profissional, através de consultas e exames, permite que a mãe tenha maior suporte para manter a saúde física e mental equilibrada;

·        Rede de apoio (profissional-afetiva-comunitária)

- Rede profissional: composta por equipe multiprofissional, como obstetra, pediatra, enfermeiros, doula, consultora e outros profissionais da maternidade;

- Rede Afetiva-comunitária: parentes, amigos, familiares. Esta rede de apoio é importante para ajudar nos cuidados do dia a dia com o bebê.

A rede, como um todo, quando existe, é importantíssima para o suporte emocional a mãe, além de lhe proporcionar a escuta que necessita.

·        Autocuidado: essencial para manter a saúde física e emocional, o autocuidado pode ser praticado por meio da alimentação adequada, sono regular e exercícios leves. Praticar técnicas de relaxamento, como respiração profunda, meditação, caminhadas ao ar livre e exposição ao sol, pode ajudar a reduzir o estresse e a ansiedade.

É preciso fazer então a seguinte indagação: que mulher se enquadraria bem nestas recomendações:

(  ) Mulher de classe social-econômica alta

(  ) Mulher de classe média [sobretudo, o trabalhador(a) que se convence que não é trabalhador(a)]

(   ) Mulher de classe social baixa

 

Entende o drama da mulher no Brasil?

Ou seja, de que mulher estamos falando??????????

 

Esses dias eu vi um professor [homem mesmo] de escola particular abrir mão dos seus 5 dias[2] de licença paternidade, para “não prejudicar os alunos”, já que era novo de escola.

Se isso ocorre com homens-pais, o que não ocorre com mulheres-mães?

A mãe tem trabalho em carteira assinada? Goza de seus plenos direitos? Precisa de mais algum? Vive de renda? Tem creche disponível? Está solteira...?

 

Apesar das dificuldades para colocar nossos direitos em prática, note que, em nenhuma dessas políticas públicas, a mulher é tida como moribunda ou a gravidez é considerada doença!

A campanha Furta-Cor tem sua importância, a meu ver, muito mais pelo que possa esclarecer e mobilizar a sociedade, como um todo, para que cuidemos melhor de nossas mulheres, mães e bebês, do que fazer da mulher ou da mãe, uma heroína solitária (ou vilã, doente, etc).

Não podemos – e não devemos! – jogar a responsabilidade da maternidade, exclusivamente, nas costas das mães!

A maternidade é um fenômeno comunitário, social, tal qual educar nossos filhos. Mas o atomismo em nossa sociedade, vem pervertendo este sentido, tornando o slogan: “Toma, que o filho(a) é teu!”, uma sentença, da pior qualidade, com requintes de perversidade.

 

 

Toni Grangeiro, psicólogo, psicodramatista e perito pelo TJSP.

tonitrix1@gmail.com


[1] DEPRESSÃO PÓS-PARTO, PSICOSE PÓS-PARTO E TRISTEZA MATERNA; Vera Iaconelli - Artigo publicado na Revista Pediatria Moderna, Julho-Agosto, v. 41, nº 4, 2005.

[2] Com a sanção da Lei 13.257, em 2016, ficou definido que a licença paternidade obrigatória de 5 dias poderia receber um acréscimo de 15 dias, totalizando 20. Porém, só é possível caso a empresa esteja devidamente cadastrada no Programa Empresa Cidadã.

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